No ano passado, um pesquisador em educação, Ives de La Taille, apresentou na obra Crise de Valores ou Valores em Crise, uma pesquisa realizada recentemente com 448 alunos do ensino médio (com idades entre 15 e 18 anos), sendo 211 da escola pública e 237 de colégios particulares, na qual indagava a esses jovens quais seriam as virtudes mais importantes na seguinte lista de dez: justiça, gratidão, fidelidade, generosidade, tolerância, honra, coragem, polidez, prudência e humildade. Sem querer aprofundar nas conclusões da pesquisa, chamou-me a atenção que a mais valorizada tivesse sido a humildade. O próprio La Taille se surpreendeu com o fato de que essa virtude fosse apontada tanto pelos meninos quanto pelas meninas, fossem eles da escola privada ou da pública.
Uma das explicações que o autor dá para o resultado é que “vivemos uma cultura que pode ser chamada de cultura da vaidade”. Esclarecendo esse conceito, o educador afirma que muitos jovens hoje “vivem apenas motivados para dar um constante espetáculo de si, destacarem-se por sinais que conferem prestígio, associarem a si próprios marcas que testemunham ser um vencedor (roupas, carros, celulares), falarem de si em blogs, nos celulares, computadores...”. Glosando o autor, diria ainda que os jovens andam atrás de “espelhos” que são as pupilas das pessoas que estão à sua volta, e às quais perguntam: “Gostou da figura que fiz?”, “Pareceu-lhes interessante o meu ponto de vista?”, “Que acharam da minha prova, do meu trabalho, da minha publicação, da minha roupa provocativa...?”.Portanto, voltando-nos para o resultado da pesquisa, concluímos que a maioria dos jovens pesquisados parecem estar fartos deste modelo juvenil e de tanta mentira. Intuem que a sedução narcisista que reina hoje na nossa cultura parece ser a causa de muitas mazelas sociais. No fundo, essas respostas podem estar representando alguns gritos silenciosos aos educadores que dizem mais ou menos assim: “Por favor, ajudem-nos antes a ser do que a ter!”. “Não aguentamos mais ver gente representando o que não é!”. “Ensinem-nos a descobrir a Verdade!”. “Quero de verdade ser feliz e não fingir que sou feliz!”.
Há muito tempo que esta disjuntiva Ser ou Ter está presente nas discussões filosóficas. O que chama a atenção é perceber que estas reinvidicações pelo ser estejam nascendo mais cedo, naqueles que sempre exigiram liberdade, prazer, dinheiro, consumo, diversão, ter... Afinal, o que está acontecendo?
Sou da opinião de que estes movimentos podem já estar refletindo, em parte, as consequências negativas da pedagogia moderna das últimas décadas. Segundo estas teorias, chamadas construtivistas, a criança deveria se desenvolver por si mesma, sem imposições de ninguém. Os responsáveis pela educação deveriam apenas dar um suporte para o seu autodesenvolvimento, sem, no entanto, se envolver no processo. Estas teorias psicodinâmicas, muitas delas inspiradas no pensamento freudiano, acreditavam que a criança tinha um “eu” completo em si mesmo e que bastaria deixar o tempo passar para ela se desenvolver adequadamente.
Fica fácil perceber o que produziu esta mentira ao longo das últimas décadas. Na medida em que os pais foram adotando a chamada educação antiautoritária, que é a renúncia para educar os filhos, tanto os pais quanto os filhos foram desenvolvendo níveis crescentes de soberba de geração em geração. Efetivamente, quem convive com pais e crianças em escolas particulares e públicas tem percebido ano a ano atitudes de arrogância e de autosuficiência que não existiam antigamente. Mas por que isto tem crescido?
Quem trabalha com educação e conhece a chamada “caixa preta” da criança (fazendo um paralelismo com os aviões) sabe que qualquer criança é extremamente egocêntrica nos primeiros anos da existência. Todo o bom processo educacional consiste em mostrar-lhe que além de existirem outras pessoas no mundo ela própria existe para os outros. Sua realização e felicidade dependerão da adequação de seus desejos e projetos para os outros. Que, sozinha, ela nunca saberá nada, poderá nada, conseguirá nada nem será nada. Que só conseguirá ser ela mesma a partir do outro. Que o eu deve se converter em si mesmo apenas mediante um tu e um vós. Por isso, desde que nasce terá que saber descobrir a linguagem do prazer, dos limites, do amor, do sofrimento. Esta é a verdade da educação.
Por outro lado, se deixamos a criança crescer sem a exigência da boa autoridade, dificilmente ela descobrirá como deve funcionar um ser humano e aos poucos seu orgulho irá enganando-a acreditando que sabe tudo, pode tudo, conseguirá tudo e que ela é tudo, principalmente se obtiver dinheiro e poder. Esta é a grande mentira da educação. Motivando-a somente a produzir riqueza, acaba-se gerando uma das maiores e mais profundas pobrezas humanas que é a solidão. Vistas bem as coisas, as outras pobrezas, incluindo a material, nascem sempre do isolamento, de não ser amado ou da dificuldade de amar, fruto do orgulho de muitas pessoas.
Terminemos concluindo que uma das tarefas primordiais da educação é desmascarar os perigos da soberba. Da ilusão do orgulho. Da escravidão de um eu que se fecha em si mesmo, como numa bolha. E que o caminho da felicidade está na humildade, que, longe de ser uma postura depreciativa, é apenas a conscientização da Verdade da condição humana, que exige abrir-se para os demais e para o transcendente, pois experimenta que só nas relações interpessoais poderá salvar-se de tantas depressões e tristezas de um eu doentio.
João Malheiro é doutor em Educação pela UFRJ e diretor do Centro Cultural e Universitário de Botafogo -www.ccub.org.br. É autor do livro "A Alma da Escola do Século XXI", palestrante sobre o tema da educação e mantém o blog Escola de Sagres (escoladesagres.org).
Publicado no Portal da Família em 26/03/2011
Nenhum comentário:
Postar um comentário